Existe um certo milagre nos encontros.
Como seria a minha vida se eu tivesse feito outras escolhas, conhecido outras pessoas, estudado em outras escolas, crescido numa outra família, em um contexto completamente diferente do meu?
Imagem de Roger Casco por Pixabay.
"O que mais existe no mundo são pessoas que nunca vão se encontrar. Nasceram em um lugar distante, e o acaso não fará com que se cruzem. Um desperdício. Muitos desses encontros destinados a não acontecer poderiam ter sido arrebatadores. Por afinidade, por atração que não se explica, por força das circunstâncias, por químicas ocultas, quem pode saber? Quanto amor se perde nessa falta de sincronia. Não é preciso ir longe, alguém pode passar pela esquerda enquanto olhamos distraídos para a direita. Por um triz o paralelo nos obriga ao desencontro eterno. É preciso uma coincidência qualquer para que o amor se instale. Existe um certo milagre nos encontros. Não é tolo dizer que o amor é sagrado”.
Carla Madeira, em “Tudo é rio”.
Você não vai conseguir ler todos os livros do mundo. Nem assistir a todos os filmes. Escutar todas as músicas. Experimentar todas as opções culinárias. Conhecer todos os lugares que existem por aí. Muitos menos todas as pessoas que dividem com você o mesmo tempo e o mesmo espaço na Terra.
Tem muita, mas muita gente incrível no mundo, que você simplesmente nunca vai saber que existiu. Uma infinidade de caminhos possíveis pelos quais você nunca vai passar. Alguém que seria um grande amigo, caso vocês se conhecessem um dia, mas que você vai viver uma vida inteira sem conhecer.
Não dá pra ser fluente em todas as línguas e todos os dialetos que existem por aí. Há muita coisa que você simplesmente nunca vai ouvir e nunca vai compreender. Há trabalhos que talvez te encantariam e te fariam feliz, mas que você nunca vai experimentar. Sensações que talvez você nunca sinta. Experiências que foram as mais importantes e significativas na vida de alguém e que você nunca vai vivenciar.
É incrível pensar como há coisas que alguém disse sobre você e que você nunca vai saber. Ou que existe em algum lugar uma lembrança boa que você deixou e que você nem sequer se lembra.
São tantos os lugares, as pessoas, as músicas, os livros, os cheiros, os sabores, as palavras, as culturas, os dialetos, as formas de se viver…
Só que você está aqui hoje.
Nesse lugar.
Com essas pessoas.
E por mais que você nunca escute a música que talvez fosse a sua música preferida da vida, existem várias outras músicas que te emocionam. Há livros inesquecíveis pra você. Histórias que te tocaram mesmo que você nunca as tenha vivido. Pessoas a quem você chama de amigos. Gente que você ama. Lugares aos quais você já voltou mais de uma vez. Comidas afetivas. Filmes que você gosta de reassistir sempre que tem uma oportunidade.
Eu sei.
Às vezes a sensação é a de que a gente sempre está perdendo alguma coisa. De que escolher dói, porque cada escolha, por mais clichê que pareça, sempre vai envolver alguma renúncia.
De que existe algo que falta, algo que está incompleto na nossa vida. Ou mesmo a sensação de que nós mesmos estamos incompletos de alguma maneira.
Nesses momentos, não é estranho que surja também um sentimento ruim de insuficiência, de comparação, de insatisfação e até de uma dúvida constante: “Como seria a minha vida se eu tivesse feito outras escolhas, conhecido outras pessoas, estudado em outras escolas, crescido numa outra família, num outro país, em um contexto completamente diferente do que eu vivo agora? Quem seriam meus amigos, meus amores, minhas músicas, meus livros, minhas comidas preferidas, meus lugares? Quem seria eu?
Gosto de pensar que, não por acaso, cá estamos exatamente onde deveríamos estar. E que sim, existe um certo milagre nos escontros, embora, como disse Vinícius de Moraes, haja tanto desencontro pela vida.
É maravilhoso quando a gente se desafia a fazer algo novo todos os dias.
É maravilhoso quando a gente tem o poder de escolher se a gente fica, se a gente vai, se a gente muda completamente a nossa vida. Quantas pessoas, que talvez você nunca vai conhecer, ainda não têm esse poder?
Seja como for, as escolhas que a gente faz na vida não nos dão uma garantia absoluta de nada, até porque, sempre vai existir algo que talvez, potencialmente, nos faria mais feliz, mas que a gente nunca vai saber, exatamente porque não dá para experimentar tudo no mundo.
Mas sabe o que dá pra fazer?
Dá pra avaliar, dentro do contexto que a gente vive, o que pode ser melhor pra gente, mesmo que o resultado não seja exatamente o que a gente esperava. Mesmo que a gente erre.
Errar é absolutamente humano.
E, como eu disse, não existem garantias e certezas absolutas de nada, a não ser da morte, dos impostos e das mudanças.
Um dia você vai morrer.
Você vai continuar pagando impostos até na hora da sua morte.
E as mudanças, bem…
Não importa quem você é, onde você está, quem você conhece, qual a sua música preferida e qual é o livro que está na sua cabeceira agora (talvez nenhum?).
As mudanças sempre virão.
Neste tempo e espaço que a gente divide agora, mesmo que a gente nunca se veja, só a mudança é permanente.
Se nada é por acaso, nada é estático também.
Você está onde deveria estar. Foi importante pra você passar por tudo o que você passou. Aqueles que você conheceu ao longo do caminho, quem ficou, quem foi embora, nada disso foi em vão.
Mas nem tudo precisa permanecer do jeito que está agora.
Dá pra fazer diferente.
Experimentar uma aula de dança, mesmo sendo travada (o) e tendo muita vergonha de dançar, e, de repente, ali no salão, encontrar um novo amor.
Aceitar um desafio que parecia ser impossível no trabalho e descobrir uma nova habilidade.
Mudar de trabalho, por que não?
Encerrar um ciclo tóxico em uma carreira, em um relacionamento, em um projeto, na forma como você vem tratando a si mesma (o) e entender que existem outros caminhos possíveis, outras formas de se fazer as coisas, outras pessoas, outros lugares, outras carreiras, outros projetos, uma autoestima nova que te faria muito bem, obrigada (o).
Dá pra escrever novos capítulos na história da sua vida, mesmo que não seja possível escrever todas as histórias, em todos os lugares, com todas as pessoas…
Entende o que eu quero dizer?
Tomara que sim.
Para te inspirar
Livro “Tudo é rio”, com uma das minhas escritoras preferidas da vida, a Carla Madeira. Sei que não lerei todos os livros do mundo e que também não conhecerei o trabalho de TODOS os escritores que existem por aí, mas ter conhecido Carla Madeira já me rendeu boas histórias, boas leituras, bons trechos inesquecíveis, boas conversas, boas experiências, enfim. Sempre que ela lançar um livro novo, sei que vou ler!
Livro “A biblioteca da meia-noite”, do Matt Haig. O livro tem tudo a ver com a reflexão que eu te proponho nesta edição da Sem Neuras, dá uma olhada: “Aos 35 anos, Nora Seed é uma mulher cheia de talentos e poucas conquistas. Arrependida das escolhas que fez no passado, ela vive se perguntando o que poderia ter acontecido caso tivesse vivido de maneira diferente. Após ser demitida e seu gato ser atropelado, Nora vê pouco sentido em sua existência e decide colocar um ponto final em tudo. Porém, quando se vê na Biblioteca da Meia-Noite, Nora ganha uma oportunidade única de viver todas as vidas que poderia ter vivido”.
Com amor,
Ana.