O seu propósito maior nessa vida: ser simplesmente você.
Uma reflexão importante sobre autenticidade, grosseria e o se encolher inteiro para caber no mundo de alguém.
Photo by Kelly Sikkema on Unsplash.
Eu me lembro muito bem do dia em que, vestida de bailarina, com brilhos no cabelo e no rosto, fui passear no shopping com a minha mãe. Como eu estava feliz com aquela fantasia! As pessoas me olhavam, sorriam e eu me sentia a pessoa mais maravilhosa do mundo com a minha sapatilha cor-de-rosa, o colã branquinho, a saia rodada. Um outro episódio que me marcou muito foi quando eu resolvi que sairia de casa vestida de pirata. Minha mãe improvisou um lenço vermelho, que prendeu no meu cabelo com algumas argolas e moedas, calcei um coturno preto, vesti uma camisa branca, coloquei uma pequena bandana no meu olho esquerdo e pronto, lá estava eu, me sentindo uma das mais empoderadas e valentes piratas, mesmo que, naquela época, eu não tivesse a menor ideia do que a palavra “empoderada” significava.
Pelo que me contam (e também pelo que consigo me lembrar) sempre fui uma criança autêntica, dessas que não têm ressalvas em simplesmente serem quem são; dessas que simplesmente são crianças, porque a criança tem uma boniteza gostosa no jeito de encarar a vida, numa mistura tão sincera de inocência e verdade, que faz com que a gente queira dançar e cantar na chuva, como se ninguém estivesse olhando.
Daí eu cresci. E me lembro das risadas dos coleguinhas na última vez em que me vesti de bailarina na vida, porque aqueles olhares, ao invés de me empoderar, me fizeram sentir vergonha da roupa que eu estava vestindo, do meu penteado, dos brilhos no rosto, de tudo o que já significou tanto pra mim um dia.
Daí eu cresci. E me redescobri repleta de camadas e mais camadas de valores, crenças, medos e modelos que eu não queria replicar, porque, na essência, não eram meus, mas que eu acabava replicando automaticamente, mesmo sem perceber, porque já estavam tão arraigados em mim que eu já não conseguia mais separar o joio do trigo.
A minha criança ferida já não se lembrava mais da menina autêntica que um dia existiu ali. E, durante muito tempo, em função de todas essas camadas que eu simplesmente colecionava sobre a minha essência, deixei de ser eu na minha vida.
Eu já não sabia mais se eu me vestia para mim ou se para o outro. Se eu gostava realmente daquela música. Se eu saboreava de fato aquela comida. Se aquele trabalho era realmente entediante do jeito que tinha que ser – porque o “tem que ser” é o que dita todos os nossos passos – ou se o problema era comigo, com os meus sentimentos e emoções, que não conseguiam se encaixar naquele modelo de ser e viver do senso comum sem darem um berro bem alto e um soco no meu estômago.
Eu já não sabia mais se aquela opinião era minha. Se aquele pensamento era realmente meu. Se estava mentindo ou falando a verdade quando eu dizia que realmente gostava de algo. Ou se era apenas para concordar, para não gerar conflito, para ser amada, aceita, valorizada, respeitada e fazer parte da “turma” a partir daí. Porque era importante sentir-se parte de um todo. E eu precisava disso. Eu precisava me sentir acolhida. Mesmo quando a pessoa que recebia o abraço era uma total desconhecida pra mim. Não era eu.
Já aconteceu isso com você? Estar numa roda em que a maioria tem uma opinião completamente diferente da sua e você simplesmente concordar, em nome de não ser visto como o diferentão ou o chato, o do contra, o maluco, o que sempre caça confusão?
Já aconteceu de você se encolher para caber no mundo de um outro alguém? Para corresponder a expectativas que depositaram em você e na sua vida? Para simplesmente ser aceito, querido, amado e respeitado de uma maneira que você acha que não fariam se você fosse simplesmente você?
Já aconteceu de você dizer sim querendo dizer não? Ou de se perguntar por que diabos você está vestindo aquela roupa que não tem absolutamente nada a ver com você? Ou escutando uma música que não te toca? Ou assistindo a um filme que, na verdade, te deixa completamente entediado?
Já aconteceu de você recusar comer alguma coisa que você estava com muita vontade ou de simplesmente se calar quando estava com muita vontade de expressar uma opinião pelo simples medo – ou, na verdade, não tão simples assim – de ser julgado?
Quando foi que você deixou de ser autêntico? Quando foi que as suas escolhas, mesmo profissionais, passaram a ser tão influenciadas por um ideal de sucesso e de felicidade que, de repente, não tem absolutamente nada a ver com você? Quando foi que você se perdeu de si mesmo? Quando foi que você perdeu a capacidade de se encantar diante das coisas simples?
Depois do meu processo de transição de carreira, não há um dia sequer em que eu não me pergunte se estou sendo de verdade nas minhas escolhas e na forma com que tenho levado a minha vida. Não há um dia sequer em que eu não me olhe no espelho e não me dê um sorriso largo, por eu simplesmente ter abraçado as minhas vulnerabilidades e ter re-escolhido a autenticidade como um dos principais valores que regem a minha vida, apesar dos pesares todos.
Ser autêntico x ser grosseiro
Ser autêntico não tem nada a ver com ser grosseiro ou o sincerão, que não mede palavras e que também não avalia o impacto que cada uma delas pode ter na vida de alguém (eu, particularmente, fico MUITO incomodada com tanta grosseria disfarçada de “autenticidade” por aí; gente sendo realmente sem educação no trato com o outro em nome de uma pseudo “personalidade forte”, “autoridade”, “sinceridade” ou seja lá como queira chamar isso - chamar de autenticidade é que não dá!).
Ser autêntico é simplesmente estar em paz com quem você realmente é. E com o que você faz com quem você é. Não pelo outro, mas por você. Porque estão em você todas as respostas que você procura, às vezes tão desesperadamente, em tudo o que é externo, em tudo o que está lá fora, em tudo o que, a bem da verdade, às vezes te distancia cada vez mais do seu próprio eu.
Ser autêntico é se colocar numa posição de vulnerabilidade, sim. É agir mesmo com medo. É colecionar momentos, não certezas. É querer voltar a enxergar o mundo com olhos de criança. E, muitas vezes, conseguir. É não perder a capacidade de se encantar com o que de mais simples existe no outro, no mundo, em você mesmo. É fazer do seu jeito, da sua maneira, com o seu tempero, mesmo que existam milhares ou milhões de pessoas querendo fazer a mesma coisa que você faz.
Se autêntico é valorizar e celebrar as diferenças, é respeitar o espaço do outro, é permitir que esse outro possa abraçar as suas vulnerabilidades e autenticidade tanto quanto você gostaria que te permitissem também. É não precisar de permissão. É simplesmente fazer o que sabe que tem que ser feito, mesmo que dê um medo danado, mesmo que você erre.
É entender que a vida não nos dá garantias e certezas absolutas de nada, mas que nos reserva o direito de acreditar e de cultivar a fé e a esperança em nós mesmos.
Autenticidade. A palavra que pulsa no coração.
O seu propósito maior nessa vida: ser simplesmente você.
Para se inspirar:
Amo a autenticidade da Thai de Melo Bufrem, uma descoberta que eu fiz na época da pandemia e que me ajudou a ter dias mais leves nos tempos de confinamento. Thai conseguiu se transformar numa marca forte e realmente autêntica, o que fez com que a carreira dela decolasse.
Introvertidos não podem ser autênticos? Claro que podem! Em seu TED Talks, Susan Cain, autora do livro “Quiet: The Power of Introverts in a World That Can’t Stop Talking”, fala sobre como aqueles que são mais “quietos” têm múltiplas potencialidades e precisam ser mais valorizados no mercado.
Preste atenção na letra dessa música-poesia do Reverb e emocione-se junto comigo (refletir também é importante, tá?).
Com amor,
Ana.
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