Você costuma guardar tudo para uma ocasião especial?
"Sentiu o coração engasgar, antes que ela pudesse notar, deu o respiro fatal. Ocasião especial, esse dia eu nunca tive. Porque ocasião especial é todo dia que se vive".
Photo by Vera Davidova on Unsplash
É engraçado como a alegria, essa que a gente tanto busca na vida, nos visita mesmo é em momentos comuns. Momentos em que, dada a correria do dia a dia, e a rotina na qual estão geralmente inseridos, a gente deixa passar no ponto e nem acena, como se aquele ônibus não fosse o nosso.
Já reparou como a coisa toda funciona? Muitas e muitas vezes – mais até do que a gente gostaria – nos ocupamos tanto em perseguir o extraordinário que deixamos a alegria genuína passar despercebida por aí, sem nos darmos conta de que é dela que sentiremos mais falta um dia.
Quando lembro dos meus avós, sabe do que eu sinto mais saudade? Não é da festa de fim de ano, dos presentes de aniversário, nem de uma ocasião ou viagem específica que fizemos juntos. É da rotina.
Eu sinto falta é de ver o meu avô paterno voltando da cozinha com aquele bolo de fubá quentinho que só ele sabia fazer. De vê-lo repetir todos os dias, não importava como estava o tempo lá fora: “Parece que vai chover”.
Eu sinto falta é da forma como a minha avó sorria com o canto de olho. E da mania que ela tinha de comer a laranja com casca e tudo. Quando olho para alguma foto dela, me dá tanta saudade daquele abraço, que eu daria parte da minha vida só pra recebê-lo de novo.
Sinto saudades da maneira elegante com que meu avô materno sentava no sofá, de vê-lo segurando aquela bengala de madeira, sempre tão altivo, da mania que ele tinha de nos oferecer banana, fosse qual fosse a ocasião, e de enrolar o doce de leite em bolinhas.
Quando lembro da minha cachorrinha, que já partiu há mais de dez anos, sabe do que mais sinto falta? De escutar o barulho das patinhas dela sobre o piso de madeira, das vezes em que ela me irritava pedindo comida, mesmo depois de já termos dividido o lanche, das tantas e tantas noites que dormimos de conchinha e que, sem perceber, criamos um elo de amizade eterna.
Eu posso sentir saudades da festa de formatura e de todas as outras festas que já frequentei quando era estudante, eu sei, mas o que mais me marca, toda vez que me lembro da época do colégio, é o convívio, a rotina, aquelas lembranças que a gente tem de dias absolutamente comuns, sabe?
Em que vestia o uniforme, arrumava a mochila, esperava pelo recreio, comprava um lanche gostoso e conversava no pátio despreocupadamente, como se não existisse mais nada além daquele instante. Até de reclamar das provas eu sinto saudade. E de fazer trabalhos “na casa de alguém” (era assim que a gente falava sempre).
Outro dia, lendo uma das mensagens esquisitas que a minha mãe costuma mandar (ela realmente ainda não aprendeu a digitar no celular rs), me peguei num pensamento que nunca tive: eu sentiria muita falta de receber essas mensagens um dia.
Entende o que quero dizer?
Às vezes nos focamos tanto na ocasião especial, no momento extraordinário, que nos esquecemos de que o momento presente é a lembrança mais linda e saudosa que teremos na vida. Que é na rotina que estão os nossos verdadeiros tesouros.
Naquele chorinho do bebê durante a madrugada, no jeito desengonçado de quem está aprendendo a andar, numa mania engraçada ou até esquisita de alguém que a gente ama, num risco na parede, numa marca de copo que ficou eternizada na madeira da mesa.
O aniversário é importante? Claro que é. Assim como a festa de casamento, para quem sonha com ela, ou aquela viagem que, há anos, você vem planejando fazer. O jantar especial. A festa de formatura. A inauguração de sei lá o quê. Mas é na simplicidade da rotina, nesse conjunto de coisas e situações absolutamente corriqueiras, que a alegria nos vista em sua forma mais genuína. E a gente nem percebe.
Quando olho todas as taças de cristal que nunca foram pra mesa, ou todos os cremes caros e maquiagens que nunca usei (e que já até perderam o prazo de validade), por sempre esperar uma ocasião especial para usá-los, eu entendo: eis um recado da vida para que a gente aprenda a valorizar o AGORA como a verdadeira ocasião especial da nossa existência.
Porque ele é.
Analise a sua vida e verá: você não sente saudade de uma ocasião específica. Você sente saudade é do que aquela ocasião específica significou pra você dentro de uma rotina de outras coisas.
A vida não se constrói no ponto de partida nem no ponto de chegada. Mas no durante.
É na trajetória que a mágica acontece.
Photo by Matt Tsai on Unsplash
Ocasião especial é todo dia que se vive
“Ela guardou o batom preferido pra uma ocasião especial
Quem sabe uma festa de sábado ou um domingo de Natal
Ela também guardava aquele vestido lindo para uma ocasião especial
Não era nenhum dia nessa semana, essa seria monotonamente igual
Ela saiu de casa como de costume
Com a roupa de sempre e o mesmo perfume
Reclamou do seu trabalho, e de sua comida
Não se despediu do seu amor, a rotina estava corrida
Nesse dia, ela olhou o caminho todo seu celular
Não notou a paisagem
O céu nem o sol ela quis olhar
Saiu distraída com a vida na hora do intervalo
Andando, nem viu nada chegando, e, do nada, um estalo
Passa tudo, anunciou um homem com pressa e sem jeito
Sem que pudesse falar algo, sentiu um tiro no peito
Antes de morrer pensou na sua ocasião especial
Sentiu o coração engasgar
Antes que ela pudesse notar, deu o respiro fatal
Ocasião especial esse dia eu nunca tive
Porque ocasião especial é todo dia que se vive
Seja grato por cada dia que teve, e por tudo que fez
Enquanto você respira hoje, outra pessoa suspira pela última vez”
(Poema de Caciano Com C)
Poema em vídeo:
Essa reflexão vale para a sua vida de maneira geral, eu sei, mas, tente pensar em tudo o que eu falei no contexto da sua carreira.
Será que, por estar sempre à espera de uma ocasião especial no trabalho (a promoção que nunca vem, o reconhecimento que nunca chega, a aumento que você nunca recebe, a melhoria de liderança que nunca acontece…), você não está simplesmente postergando fazer as mudanças que você sabe que precisam ser feitas na sua carreira? Como é a sua ROTINA de trabalho? Essa ROTINA te traz alegria?
Com amor,
Ana.
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